sábado, 10 de dezembro de 2011

Tudo vai sem novidade

Os interlocutores são um morgado do Alentejo, que estava a gozar os 
rendimentos em Lisboa e um criado lá da sua herdade de Alter do Chão. O morgado, 
que já há tempo não tinha carta da terra nem notícias de seus pais, encontrou, uma 
manhã, na Praça do Comércio, embasbacado a ver render a guarda, o seu criado. 
- Olá! Tu por aqui, Tibúrcio? 
- Ah! O meu patrão! 
- Então vens a Lisboa e não me procuras? Não vens logo a minha casa? 
- Ora essa!... Então não havia de lá ir? 
- Pois sim, mas não foste. 
- Ia já lá. . . 
- Chegaste agora mesmo? 
- Não, senhor; cheguei ontem e, desde que cheguei que estou para ir lá já . . . 
- Então como está tudo por lá? 
- Tudo bom, muito obrigado. 
- Meu pai, minha mãe, a casa? 
- Tudo bem, sem novidade. 
- E o meu cavalo ruço... o Janota? 
- Ah! É verdade; esqueci-me de dizer-lhe; esse é que não tem lá passado muito bem. 
- Ah! Sim! O que tem ele? Está doente? 
- Não, senhor. 
- Ah! Meteste-me um susto! Um cavalo que me custou 50 libras! 
- Não, senhor; não está doente. Morreu! 
- Morreu?! 
- Sim, senhor; mas o mais vai sem novidade. 
- Morreu? Mas ele não estava doente... Morreu de algum desastre? 
- Não, senhor. Qual desastre! 
- Então? 
- Morreu no fogo, que houve lá na cocheira. 
- Quê? Houve fogo na cocheira? 
- Sim, senhor; ardeu toda, e o pobre Janota, que estava lá dentro, foi-se também, 
coitadinho! 
- Mas como pegou fogo na cocheira? 
- Pegou da casa. 
- Da casa?! 
- Sim, senhor; a casa ardeu toda. 
- A minha casa ardeu toda? 
- Sim, senhor; e, por mais que fizéssemos, não foi possível impedir que o fogo 
passasse à cocheira. Mas o mais vai sem novidade... 
- Mas como foi que pegou fogo à casa? 
- Foi uma tocha, que caiu do tocheiro. 
- Uma tocha? 
- Sim, senhor; caiu uma tocha em cima do pano do caixão e foi tudo pelos ares. 
- Do caixão? Mas qual caixão? 
- O caixão, onde estava a defunta. 
- Qual defunta? 
- A senhora sua mãe. 
- Minha mãe? Pois minha mãe morreu? 
- Morreu, sim senhor; mas o resto vai sem novidade. 
- Mas de que morreu minha mãe? 
- De desgosto, coitadinha! 
- De desgosto de quê? 
- Pela morte de seu pai. 
- Então meu pai morreu também? 
- Não, senhor; não morreu; matou-se. 
- Matou-se?! 
- Sim, senhor; enforcou-se. Mas o resto vai tudo sem novidade... 
- Meu pai enforcou-se?! 
- Sim, senhor. Quando lhe fizeram penhora a todas as fazendas e viu que
estava arruinado, que estava a pedir esmola, foi a uma corda e zás! Mas o 
mais vai sem novidade, graças a Deus... 

Gervásio Lobato 
Texto da antologia Maravilhas do conto humorístico, 
publicado pela Editora Cultrix em 1959.

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